quinta-feira, 7 de setembro de 2017

rotina, substantivo feminino

Sweet Jane está sentada no degrau defronte ao prédio onde mora, com o cigarro de palha aceso no canto dos lábios. Traga observando a ponta queimar,
diminuir
enquanto o alívio invade os pulmões, a fumaça branca sai pelos lábios e nariz.

Ela encosta a cabeça entre as mãos e os cotovelos nos joelhos, fita a rua e o passar dos carros, termina de tragar o cigarro e levanta. 
Jane anda pela calçada, ouvindo o som dos próprios sapatos em contato com cimento. 
As mesmas calçadas
do mesmo caminho
todos os dias.
Dentre os pensamentos, os mesmos, sobre a rotina indiferente de um mesmo caminhar, de inesgotáveis passos cansados todos os dias com o mesmo fim.

Qual o fim?
O fim de um dia após o outro, um mês após o outro, um ano após o outro

uma vida após a outra dentro de uma bolha imensa de situações irresolutas.

Com o andar cansado, ela sente o suor escorrer pelo rosto, limpa-o com a palma da mão e continua sem perder o ritmo exausto.
Pessoas passam em pares por Jane,
pares solitários
ou assombrados por uma solidão inconveniente, irreal.

Sweet Jane sente o celular vibrar no bolso de trás dos jeans, ela atende:

– Sim?

 Jane?

A voz masculina do outro lado da linha faz os lábios dela secarem, o coração parar de forma metafórica, porém desejando que ele parasse de forma literal. As pernas travam, ela perde o foco,
o fio,
o fim.

Tão desnorteada que os poucos segundos parecem horas em que ela está ali, sem reação, incapaz de diferenciar a buzina de um carro do torpor mental que se encontra.

 Moça?

A voz não vem do telefone.

 Ô moça?

A voz continua não vindo do telefone.

Jane consegue se livrar do estupor, ainda mantém o celular pressionado a orelha, mas agora conseguindo distinguir o carro estacionado na sua frente.

 Moça, você 'tá bem?

O rapaz ao volante tem o rosto ossudo, as sobrancelhas muito pretas na testa franzida, mas isso não esconde a gentileza carregada nos olhos grandes.

Todo cotidiano, sempre a mesma ligação, sempre a mesma reação, mas nunca o carro estacionado ou aquele rapaz.

Jane desliga o celular.

A bolha imensa de situações irresolutas é estourada por um sorriso de canto:  

 Aceita uma carona?


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