quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

dissonia

Degraus, um a um.

Sobe Jane no ônibus, sentindo a brisa do ar condicionado – impressionando-se com tal, já que o mesmo aparenta estar caindo aos pedaços.

Curioso, o ônibus se parecer tanto com o estado de espírito que ela se encontrava.

Sweet Jane acena para o motorista, sapateia até seu acento ao lado da janela.
O banco cheira mofo, livro velho e teia de aranha, Jane torce o nariz, joga a mochila entre as pernas.

O ônibus arranca, Sweet Jane fita as paisagens que seguem pela janela, as imagens distorcidas pelo vidro escurecido, o céu nublado sopra as nuvens de algodão para longe, evitando que atrapalhem seu quase-breu-não-noite.  Só o céu.

Ó céus.

O veiculo para, sem o movimento a calmaria se esvai, com muita balburdia sobe a criança mais graciosa aos olhos tempestuosos de Jane. Ela tem o rosto fino, magricela, cabelos negros muito lisos escorrem calculadamente divididos pelos ombros da garota, ela – a criança – fala alto, escandaliza, faz cabeças doerem.

Jane cerra os olhos tentando afastar os grunhidos da nova passageira, e é surpreendida quando a mesma pula para o banco ao seu lado, sorridente – sem alguns dentes, ela balança os pés, bate palmas, chacoalha as madeixas negras que mal saem do lugar de tão finas e pesadas, mexe na mochila de Jane, que abre os olhos e encara a criança, que a encara de volta – a menina tem os olhos tão grandes e negros quanto os cabelos, a pele que parece porcelanato branco destaca-se em meio a tanto escuro, ela para de sorrir e mostra a língua.

Sweet Jane sente seus globos oculares pararem na nuca da maneira que revira os olhos, solta um suspiro e dá de ombros, onde está a mãe desse pequeno ser humano?
Tenta voltar sua atenção a rua através da janela, mas o ônibus para novamente. Jane não percebera, mas já havia passado algum tempo que a nova passageira se encontrava ao seu lado, cutucando-lhe - não de forma literal.

A garota cutuca Jane – agora literalmente.

– Hm? – adulta.

– Qual seu nome? – criança.

– Jane. – suspiro e dedos nas temporas.

– Não vai perguntar qual o meu? – sorriso sem dentes e dedos espalmados nos joelhos pequenos.

– Qual seu nome? – impaciente.

Insônia. – gargalha e retira-se, a menina se esvai como poeira de carvão.

A mesma visita de sempre, devia ter se lembrado dela. Serelepe como uma criança órfã, desentendida, ansiosa, escandalosa e não sutil

como uma enxaqueca.

com uma enxaqueca.

Sweet Jane revira na cama, acende o abajur no armarinho ao lado.

Não havia ônibus,
nem menina,

só cheiro de mofo, livro velho e teia de aranha,

Mas, não se sentia sozinha dessa vez.
Afinal podia senti-la ali.

Ela, tão graciosa que faz com que queiramos a arrancar nossos próprios olhos

sorrateira,

infame,

inconveniente,

curiosa.

a menina.

a Insônia

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