segunda-feira, 11 de março de 2019

coisas sobre o luto que não disseram à você.



Depois da notícia da perda. Não há tantas memórias da reação. Se foram joelhos cedendo, choros desenfreados, ou simplesmente a sensação de morte eminente.


Talvez tenha sido apenas a vontade da própria morte?


Não dizem nada sobre a dor. Dizem-lhe apenas que você precisa ser forte, erguer a cabeça e continuar.


Te obrigam a ser forte sem precisar.


A superar algo que, naquele momento, não precisa ser superado.



Vai passar.


O tempo cura.


É o que dizem.


Foi-se um ano. Dois. Três.


Ninguém fala sobre a vontade de auto destruição. A maneira que queremos enfiar comida goela abaixo ou beber tanto até esquecer da própria existência.


Ninguém fala sobre o bolo que cresce dentro do peito e vai até a garganta e parece que vai sufocar todo o seu ser até que não lhe reste nada.


Ninguém fala sobre que todas essas sensações tão exaustivas continuam, permanecem. Com incidências menores, mas ainda seguem acontecendo.


Ninguém fala que você precisar chorar escondido. Ou da vergonha e incapacidade que você sente por não saber mais o que fazer para aquela dor parar.


Não dizem nada sobre a dor. E como ela vai consumir cada pedacinho seu aos pouquinhos, bem discreta.


E você obriga-se a reerguer-se todas as vezes, mas, cada vez mais cansada.


Deveria ter chorado mais. Ter sofrido mais. Dado-me ao luxo de ficar sozinha ali, com a dor sufocante até ela dissipar.


Mas, disseram “Seja forte. Siga em frente.”


Que enfiassem o “Seja forte. Siga em frente.” no cu.


Sorria.


Continue a sua rotina.


Está tudo bem.


Vai ficar tudo bem.



Não está. E não vai ficar.


Ninguém fala sobre o quão dolorido é levantar da cama e ser obrigada a continuar sem querer. Seja por si mesma ou pelos outros.


Não te dizem que vai chegar uma hora que nada mais vai lhe importar, e você começa a fazer as coisas simplesmente por não ter outra escolha a não ser fazê-las.


Ou que você vai começar a depositar suas frustrações em diversos lazeres fúteis, entretanto, nenhum deles vai durar tempo o suficiente para que você se sinta viva de novo.


Todos dizem que passa.


Mas, ninguém diz que volta. E volta cada vez mais forte. Como farpas enfiadas no peito, cada vez mais dilacerantes.


Porque quando a ferida tenta fechar e não consegue,


ela se abre muito mais cheia de pus.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

carta aberta para a Solidão.

Há muito tempo quero escrever-te,
ou seria escrever sobre você?

Temos tanto tempo juntas que nossa intimidade me impediu de te delimitar ou compreende-la o suficiente para que eu me sentisse a vontade em dispor de palavras ao seu respeito.

Mas, agora pareço estar pronta.

Tanto tempo marcada pela sua existência silenciosa e incompleta, assim como sua representação peculiar dentro de cada ser humano.
Mas, eles não parecem conhecê-la como eu. Será que você vem sorrateira a eles como veio a mim?

Tão mansa como uma névoa lenta de inverno, mas não dissipa, vem pelos pés e sobe a cabeça e fica.
Permanece fria e inconsequente.

Fatal.

Às vezes não sei se essa realmente é a sua intenção. Consumir tudo até que não exista nada, até tornar tudo parte de você mesma. Embriagar-se totalmente com os restos do que sobra de mim. As vezes parece-me que quer ser minha companheira.

Há quem goste de você, sei disso, há quem aprecie sua presença ausente, quem não lhe note de fato.
Há quem lhe estenda a mão como uma velha amiga.
Então, por um tempo tentei aceita-la também, aprecia-la. Quase aprendi a conviver com teu vazio absoluto.

Tentei lidar com sua morada sendo instalada cada vez mais no meu âmago cansado.

Por fim, tentei destruir sua morada.
Desmontá-la,
arranca-la,
esmaga-la.

Assim como você mesma tem feito comigo, a cada dia que tem passado ao meu lado.
A diferença foi que você conseguiu.

E não pereceu,
permaneceu
cresceu
fundou-se primeiro nas pontas dos pés até entalar-se em minha garganta.

Então eu resolvi deixá-la aí. 

Eu
desisti.

Desisti de tentar vencê-la, afinal você é parte de mim agora.
Tentar resisti-la só me fez em farelos.

Então aproveitarei enquanto você ainda é parte. Enquanto não saboreou todas as migalhas, aproveitarei até.

Até que você me consuma por inteiro.
Até ser a única solitária versão de mim.

Peço que não me leve a mal. Afinal você foi quem ou o que sobrou.

                                                                                                                         Atenciosamente

                                                                                                        da parte que ainda resta de 
Jane.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

relatos sobre A Dor

Em um senso comum, é aquilo que machuca, dói, lateja, deixa marca

Cicatriza? 

O que é dor?

No senso seu, do teu eu
Aquela pessoa ali, quem você nunca esqueceu, ou aquela que disse algo que te entristeceu

Dor?

É um dedo preso na porta do carro? Um caco de vidro preso no pé? Ou um tanto de pensamento que te fazem perder a fé?

Sinceramente, dói ver gente com dor
Aperta os dentes, os olhos

Dói aqui. Bem aqui.

Na cabeça, no ombro, dentro do peito, até bem dentro da alma.

O que é dor?

Há dor. Na foto escondida na gaveta, na lata de cerveja vazia, no cruzar de olhos ali na esquina onde você a viu.
Viu quem?

A dor.

Nos berros do quarto ao lado, no chute na porta, no carro quebrado. Há dor.
No cansaço, no relapso. No maço de cigarros vazio e no cinzeiro cheio.
Nesses remédios que não fazem efeito, pra sua dor.

Pra minha dor.

Pra dor de quem?

Tem dois, cinco, sete ou dez anos que passam. Ela continua ali, ela. Quem é ela?
Tem uma coisa que não sabem sobre ela. Você sabe quem é ela.

Ela sara. Passa. Ameniza. Tranquiliza. Aparentemente vai embora, e não é pela embriaguez, pelo torpor, pelas piadas de mau gosto, pelos outros corpos, bocas ou fodas.

Ela sara, passa, ameniza, tranquiliza. Ao ver aquele que também dói.  
Ao ver que nem na solidão que ela causa, é possível estar sozinho.
Ao ver que na solidão que ela causa, tem alguém sorrindo.
   
Há dor.

A Dor.

Ah, Dor, vai embora, deixa eu descansar!

Depois volta,

como outra dor. 



                       jane. 

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

rotina, substantivo feminino

Sweet Jane está sentada no degrau defronte ao prédio onde mora, com o cigarro de palha aceso no canto dos lábios. Traga observando a ponta queimar,
diminuir
enquanto o alívio invade os pulmões, a fumaça branca sai pelos lábios e nariz.

Ela encosta a cabeça entre as mãos e os cotovelos nos joelhos, fita a rua e o passar dos carros, termina de tragar o cigarro e levanta. 
Jane anda pela calçada, ouvindo o som dos próprios sapatos em contato com cimento. 
As mesmas calçadas
do mesmo caminho
todos os dias.
Dentre os pensamentos, os mesmos, sobre a rotina indiferente de um mesmo caminhar, de inesgotáveis passos cansados todos os dias com o mesmo fim.

Qual o fim?
O fim de um dia após o outro, um mês após o outro, um ano após o outro

uma vida após a outra dentro de uma bolha imensa de situações irresolutas.

Com o andar cansado, ela sente o suor escorrer pelo rosto, limpa-o com a palma da mão e continua sem perder o ritmo exausto.
Pessoas passam em pares por Jane,
pares solitários
ou assombrados por uma solidão inconveniente, irreal.

Sweet Jane sente o celular vibrar no bolso de trás dos jeans, ela atende:

– Sim?

 Jane?

A voz masculina do outro lado da linha faz os lábios dela secarem, o coração parar de forma metafórica, porém desejando que ele parasse de forma literal. As pernas travam, ela perde o foco,
o fio,
o fim.

Tão desnorteada que os poucos segundos parecem horas em que ela está ali, sem reação, incapaz de diferenciar a buzina de um carro do torpor mental que se encontra.

 Moça?

A voz não vem do telefone.

 Ô moça?

A voz continua não vindo do telefone.

Jane consegue se livrar do estupor, ainda mantém o celular pressionado a orelha, mas agora conseguindo distinguir o carro estacionado na sua frente.

 Moça, você 'tá bem?

O rapaz ao volante tem o rosto ossudo, as sobrancelhas muito pretas na testa franzida, mas isso não esconde a gentileza carregada nos olhos grandes.

Todo cotidiano, sempre a mesma ligação, sempre a mesma reação, mas nunca o carro estacionado ou aquele rapaz.

Jane desliga o celular.

A bolha imensa de situações irresolutas é estourada por um sorriso de canto:  

 Aceita uma carona?


domingo, 9 de abril de 2017

Drunk Elliot.

Com os cotovelos apoiados no balcão do bar, encontra-se ela, Jane. Devastada pelos devaneios e incomodada com o cheiro de madeira recém envernizada do balcão. O copo americano com cerveja em suas mãos já está quente.

Já tem embriaguez suficiente para uma noite de sono,

embriaguez suficiente para uma vida de decepção.

Ao lado de Sweet Jane senta um rapaz, estatura média, cabelos bem negros e lisos, escorridos até a bochecha, a embriaguez também o acompanha, junto com um cigarro de palha aceso no canto dos lábios, tragou, soprou, sorriu e dialogou:

– Bebendo sozinha?

Um aceno positivo com a cabeça dela

a continuação de um monólogo dele:

– Não acho que eu já tenha te visto aqui. Não acho que eu já tenha te visto em algum lugar, pra ser sincero.

– Eu nunca estive em lugar algum, pra ser sincera.

– Meu nome é Elliot.

– O meu é Jane.

– Só Jane?

– Só Elliot?

Ele ri quase engasgando com a fumaça do próprio cigarro, a gargalhada bêbada, acompanhada de um fechar de olhos faz Jane sorrir.

– Deixa eu te pagar uma cerveja, Jane?

–Eu já preciso ir, Elliot.

– Pra onde, Jane?

– Sei lá eu.

– Quando eu não sei pra onde ir, tento beber até que eu descubra.

– E se você nunca descobrir?

- Nunca não é o termo correto, sempre há pra onde ir, nem que seja pro hospital.

Outras gargalhadas vieram,
outros copos de cerveja também vieram.

As sapatilhas tontas de Sweet Jane quase a fazem cair quando a mesma tenta se levantar, Drunk Elliot segura-a pelos ombros.

– Ei, Jane, vamos descobrir pra onde ir. – Elliot em pé é algum centímetro mais baixo que Jane, ele tem os olhos grandes e a barba falhada.

– Pra onde as pessoas perdidas vão? – Questiona Jane.

– Pro inferno talvez.

– Só por que estão perdidas?


– É que é um inferno estar perdido. 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

dissonia

Degraus, um a um.

Sobe Jane no ônibus, sentindo a brisa do ar condicionado – impressionando-se com tal, já que o mesmo aparenta estar caindo aos pedaços.

Curioso, o ônibus se parecer tanto com o estado de espírito que ela se encontrava.

Sweet Jane acena para o motorista, sapateia até seu acento ao lado da janela.
O banco cheira mofo, livro velho e teia de aranha, Jane torce o nariz, joga a mochila entre as pernas.

O ônibus arranca, Sweet Jane fita as paisagens que seguem pela janela, as imagens distorcidas pelo vidro escurecido, o céu nublado sopra as nuvens de algodão para longe, evitando que atrapalhem seu quase-breu-não-noite.  Só o céu.

Ó céus.

O veiculo para, sem o movimento a calmaria se esvai, com muita balburdia sobe a criança mais graciosa aos olhos tempestuosos de Jane. Ela tem o rosto fino, magricela, cabelos negros muito lisos escorrem calculadamente divididos pelos ombros da garota, ela – a criança – fala alto, escandaliza, faz cabeças doerem.

Jane cerra os olhos tentando afastar os grunhidos da nova passageira, e é surpreendida quando a mesma pula para o banco ao seu lado, sorridente – sem alguns dentes, ela balança os pés, bate palmas, chacoalha as madeixas negras que mal saem do lugar de tão finas e pesadas, mexe na mochila de Jane, que abre os olhos e encara a criança, que a encara de volta – a menina tem os olhos tão grandes e negros quanto os cabelos, a pele que parece porcelanato branco destaca-se em meio a tanto escuro, ela para de sorrir e mostra a língua.

Sweet Jane sente seus globos oculares pararem na nuca da maneira que revira os olhos, solta um suspiro e dá de ombros, onde está a mãe desse pequeno ser humano?
Tenta voltar sua atenção a rua através da janela, mas o ônibus para novamente. Jane não percebera, mas já havia passado algum tempo que a nova passageira se encontrava ao seu lado, cutucando-lhe - não de forma literal.

A garota cutuca Jane – agora literalmente.

– Hm? – adulta.

– Qual seu nome? – criança.

– Jane. – suspiro e dedos nas temporas.

– Não vai perguntar qual o meu? – sorriso sem dentes e dedos espalmados nos joelhos pequenos.

– Qual seu nome? – impaciente.

Insônia. – gargalha e retira-se, a menina se esvai como poeira de carvão.

A mesma visita de sempre, devia ter se lembrado dela. Serelepe como uma criança órfã, desentendida, ansiosa, escandalosa e não sutil

como uma enxaqueca.

com uma enxaqueca.

Sweet Jane revira na cama, acende o abajur no armarinho ao lado.

Não havia ônibus,
nem menina,

só cheiro de mofo, livro velho e teia de aranha,

Mas, não se sentia sozinha dessa vez.
Afinal podia senti-la ali.

Ela, tão graciosa que faz com que queiramos a arrancar nossos próprios olhos

sorrateira,

infame,

inconveniente,

curiosa.

a menina.

a Insônia

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Pequeno fragmento de um material; resto, resíduo.

No guardanapo, palavras de uma noite de insônia.

Resquícios da alegria, no fundo da garrafa vazia
da cachaça velha

envelhecida no veneno das cinzas

No cinzeiro
Resquícios do desejo contido, perdido na fumaça

na boca
a bala

Na arma
o batom

O resquício do resto

Res-to. Res-quí-cio. Pedaço do teu, meu.

resquício da madrugada não dormida, da peça de roupa recolhida.
Recolhe tua cafeína!

Desses discos velhos que nem tocam mais.
Desses dados que não rolam mais.
Resquício do sentido, resíduo de pele com pele, tato
olfato.

Mas, que sentido é esse que não faz sentido algum?
ainda tem partes inteiras tuas aqui,

Não as recolha não, nem recolhi as lágrimas ainda.
persistem, resistem, insistem. Tem teu sorriso
mas, não o meu.

Tem teu completo, mas não tenho eu.

Falta.

Resquício da sanidade nos olhos seus.

Vestígios teus.

Sobra.

E ainda que fossem mesmo resquícios
seriam resquícios inteiros.



                                       Jane.